Trato meu perfil no Instagram como trato meu quarto: deixando tudo colorido e bagunçado a maior parte do tempo. Mas uma bagunça boa e organizada! Afinal, é um espaço meu. Eu que decido o que vou abordar ali e qual a cara que o conteúdo vai ter. Por isso, assim que voltei a usar as redes sociais depois de uma pausa de 10 dias decidi que não falaria sobre pautas raciais por um bom tempo. Pois é um assunto longo, complexo e cansativo muitas vezes. Tenho noção de que é uma questão importante e necessária, mas vivo num corpo de uma mulher negra há 28 anos e só eu sei o quanto essa temática provoca uma inquietação e memórias nem tão agradáveis. Na vida real e na virtual.

@ANNAP_CHAGAS

Além disso, tem tantos outros assuntos pra falar! Eu sou múltipla e consigo facilmente mergulhar em outras conversas além das questões raciais. Mas infelizmente percebi que essa "decisão" de escolher não falar do assunto é um privilégio, e que fazer uso desse privilégio não está fazendo sentido pra mim nesse momento. Percebi que não tem a menor possibilidade de saber do que acontece no mundo e fingir que não me atinge. É com os meus! Um dia foi João Pedro, no outro George Floyd e no outro Miguel. Ano passado foi Agatha e no outro, Marielle. Acredito que seria muita incoerência fingir, egoísmo não sentir e falta de empatia omitir. Tá ali pra todo mundo ver!

Obviamente, não acho que seja uma obrigação postar algo e/ou “militar” sobre racismo. Além disso, não concordo com a ideia de que todo negro precisa abordar essas questões, nem o Neymar como indivíduo e homem preto. Só ele sabe das circunstâncias, dores e vivências pra chegar até aqui. Só acho que a sociedade brasileira precisa se atentar a um problema urgente. O país é racista e isso nunca foi novidade, basta pegar um livro de história ou melhor, basta ligar a TV para perceber. Me dá uma tristeza profunda de ver tudo isso acontecendo. Sem freio, sem pena e sem dó. Com crianças, em casa ou em qualquer lugar. Todo ano os casos se repetem e os personagens (ou vítimas!) têm a mesma cor.

"Obviamente, não acho que seja uma obrigação postar algo e/ou “militar” sobre racismo. Além disso, não concordo com a ideia de que todo negro precisa abordar essas questões, nem o Neymar como indivíduo e homem preto. Só ele sabe das circunstâncias, dores e vivências pra chegar até aqui."

Não é uma coincidência! Nunca foi. Ser negro é resistir a uma sociedade que te coloca em situações chatas a todo tempo. Um processo doloroso que nos atinge desde a infância. Tanto no âmbito da estética (quando criticam o nosso cabelo), quanto no das amizades (quando não nos deixam fazer parte do grupo), do afeto (aquele amor de adolescente que não passa na prova do racismo) ou da representatividade (nunca nos vimos nas princesas da Disney, nas capas das Revista Teen ou nas mocinhas de Malhação). É desesperador, basta ser negro para sentir na pele!

Meu mês de junho começou de forma brusca e mostrou que eu ainda preciso falar o básico: racismo é crime! Ficou nítido que nem todo mundo quer deixar seus privilégios e não, nem toda influencer ou celebridade leva a sério uma luta tão potente. Em tão poucos dias, aprendi que precisou uma morte filmada para que muita gente se reconhecesse como privilegiado e outra, tive que lidar com pessoas que se dizem antirracistas hoje, mas não se importaram (e nem se chocaram) quando um candidato a presidência afirmou em um programa de TV que seu filho não namoraria uma mulher negra, por exemplo. É grave, muito grave. Dias desses recebi um vídeo que diz que o Brasil não sabe lidar com as suas dores. Eu concordei, pois tem gente que se refere o meu argumento como “mimimi”. Quero mostrar para os amigos brancos que sim, todas as vidas importam, mas se isso funcionasse na prática eu não estaria me expondo em rede social e falando sobre isso tudo.

Prática diária. Ser antirracista é sobre isso! Uma hashtag ou um post não são o suficiente. O importante é seguir pessoas negras, ler e ouvir. Dar voz, espaço e abertura. Ainda somos maioria no Brasil e ainda assim, a desigualdade é gritante. Na minha visão, é enriquecedor se inspirar e entender a história do nosso país. Tudo tem um motivo e o momento atual diz muito sobre quem somos. Nossas atitudes estão em jogo e a geração futura depende de nós. É necessário entender que é sobre sociedade, logo você, se for branco, também faz parte (mesmo sem ser alvo). Não há problemas em ser uma pessoa privilegiada. A questão é sobre o que você fará com os seus privilégios. O meu é ter conhecimento, estrutura e apoio. Tive a oportunidade de conhecer mais de 10 países e entendi que o racismo não é coisa só de brasileiro, mas há diversos fatores que precisam ser feitos a nível nacional e juntamente com as questões globais. É preciso refletir! Pois tem muitas flores morrendo sem nem a chance de crescer. Enfim, como diz a frase da música “Amarelo” do Rapper Emicida: “No caminho da luz, todo mundo é preto”.

—Anna Paula Chagas @annap_chagas