Esta é a segunda parte da série Minha Jornada de Saúde, em que conto sobre o processo de diagnóstico de uma doença autoimune, passando pela descoberta da Ayurveda até os dias de hoje. Para ler a primeira parte da série, clique aqui. Para ler a terceira, aqui.

Eu nunca tinha ido tão longe geograficamente falando. O trajeto completo da minha casa no Rio de Janeiro até a clínica, que fica a uma hora de carro da pequena cidade de Coimbatore, no sul da Índia, durou um total de 36 horas. Contando com todas as escalas e esperas em aeroportos, foi bem cansativo. Quando cheguei na Índia e pisei na rua pela primeira vez, a sensação foi cinematográfica. Não no sentido grandioso da coisa, já que o destino não era um hotel ou spa cinco estrelas, mas sim uma pequena clínica situada em uma área rural, veja bem. Mas o que tinha visto em filmes se concretizou: ar quente e seco, muitos carros e motos, buzinas e poeira, muitas pessoas vestidas com os trajes típicos coloridos. Tudo bem gritante, barulhento e intenso. Ao mesmo tempo havia uma sensação de conforto e acolhimento no ar. Me senti esperançosa.

Cheguei na clínica meio zonza por tanto estímulo, e logo de cara percebi um grande contraste. O prédio ficava em uma área campestre afastada, cercada por muito verde e sons da natureza. Um verdadeiro oásis. Fui recebida pelos enfermeiros com sorrisos largos e levada ao meu quarto. Tudo muito simples: parede bege, chão de cerâmica, móveis de madeira escura. As cortinas e a coberta da cama eram estampadas de vermelho e laranja, e não com o clássico verde menta claro de hospitais. Achei curioso, mas logo me acostumei. Aquela seria minha casa pelos próximos trinta dias, e eu voltaria àquele mesmo local por mais duas vezes nos anos seguintes. Ali, eu estava começando minha relação com a Ayurveda.

PÁTIO INTERNO E COMIDA SERVIDA NA CLÍNICA

A Ayurveda é o nome da medicina milenar que nasceu na Índia e que, diferente da medicina ocidental, enxerga a pessoa de maneira integral: mente, corpo e espírito. Essa foi a primeira lição que aprendi quando cheguei lá. Ali, me disseram, tratam-se os pacientes como um todo, e não suas doenças específicas. Isso porque, na visão holística ayurvédica, as enfermidades nada mais são do que o reflexo de um organismo em desequilíbrio. E o que é um organismo em desequilíbrio? Existe uma definição complexa sobre esse tópico, mas minha amiga e estudante de Ayurveda Bia Bueno me ajudou a chegar em uma explicação resumida: há uma unidade em tudo que existe na natureza e ela se manifesta em cinco estados diferentes: terra, água, fogo, ar e éter. Esses elementos combinados formam os doshas: vata (ar + éter), pitta (fogo + água) e kapha (terra + água). Tudo o que existe no universo é constituído por essas energias, incluindo as pessoas. A combinação desses elementos, única em cada um de nós, molda nossa estrutura física, emocional, intelectual e espiritual. Uma pessoa com os doshas equilibrados é uma pessoa saudável. Quem apresenta excesso ou falta de alguma dessas energias tem tendência a adoecer.

A causa do desequilíbrio dos doshas muitas vezes são nossos hábitos: estresse, alimentação ruim, poluição. Todas as toxinas que entram no nosso corpo diariamente se acumulam no organismo, e se não forem propriamente eliminadas, causam estragos em menor ou maior escala. O tratamento a que me submeti é baseado em alguns pilares: alimentação especial, massagens com óleos medicados, ingestão de preparados de ervas e repouso. É chamado Panchakarma e funciona como um processo profundo de purificação e desintoxicação. O objetivo é ajudar o organismo a se autolimpar para que possa executar plenamente suas funções naturais, como a metabolização de alimentos, a regeneração, a defesa contra agentes externos, entre outros. Se pudermos comparar o corpo humano com uma máquina, o Panchakarma (ou qualquer processo desintoxicante, no fundo) serve como um serviço de manutenção intensiva para deixar tudo limpo e funcionando em sua melhor forma.

OS PRODUTOS DE HIGIENE INDIANOS / EU QUANDO COMECEI A ME SENTIR MELHOR

Eu havia passado por muitas consultas com médicos alopatas anteriormente, mas sempre saía delas frustrada: ninguém conseguia me explicar exatamente qual a origem da minha condição e tudo o que faziam era me receitar remédios. No pior dos casos, a solução seria cirurgia. Ninguém parecia se importar em entender a causa da enfermidade, me ensinar como evitá-la ou buscar soluções não invasivas e que de fato me ajudassem a ter uma vida melhor. Entendi que por mais avançada que seja a medicina moderna, ela falha em nos educar sobre prevenção e em nos oferecer formas menos danosas de lidar com condições como a minha. Foi por esses motivos que me senti tão acolhida com a abordagem ayurvédica. Na primeira consulta da clínica, feita toda em inglês, os médicos indianos perguntaram sobre meus sentimentos, meus hábitos e minhas principais queixas. No caso elas eram: as lesões intestinais, má digestão, inchaço e dores abdominais, acne, cabelos ralos, insônia, ansiedade e dificuldade para respirar e raciocinar, além do vício na prednizona que meu organismo desenvolveu e que havia gerado uma série de outras complicações.

Não vou dizer que o tratamento foi fácil. Existe a dificuldade de se adaptar à nova rotina e à dieta, além da questão cultural de estar em um lugar completamente diferente do que estamos acostumados e longe de todo mundo. Além disso, o processo mexe profundamente com a pessoa, em alguns momentos até gerando uma piora dos sintomas antes da melhora. O lado bom é que a melhora, quando vem, é mais duradoura, pois são tratadas as razões dos problemas, e não só os sintomas. Sinto que me transformei de verdade durante o Panchakarma. Consegui fazer o desmame da droga, o inchaço e as dores foram embora, minha mente iluminou, a pele e o cabelo recuperaram o viço e as espinhas sumiram. Detalhe: durante o período lá não usei nenhum dos meus produtos de beleza habituais. Desde o xampu à pasta de dente, tudo foi temporariamente substituído por preparados de ervas naturais que eles faziam lá mesmo.

EU COM A MÉDICA CHEFE E AS ENFERMEIRAS / ENTARDECER NA CLÍNICA

Ao longo das semanas na clínica passei também por um processo profundo de reflexão sobre tudo o que tinha enfrentado até ali e de como poderia (e precisaria) fazer diferente daquele momento pra frente. Viver da forma que eu vivia era insustentável: sem prestar atenção aos sinais do corpo, sem conhecer meu próprio organismo e me negligenciando constantemente. Aproveitei o tempo livre e a clareza mental para ler sobre alimentação, meditação e tantos outros assuntos relacionados a saúde e bem-estar. Refleti sobre meus projetos de vida. Não me via mais em uma grande empresa pois não me identificava mais com os valores. Também não me sentia mais apta a seguir a cartilha do que era necessário para crescer nesse ambiente. Minha batalha agora era outra. Aprender a cuidar de mim e descobrir de que outras formas eu poderia cumprir minha razão de ser. Inclusive, foi nesse momento que surgiram as primeiras ideias sobre o que viria a se tornar a Shower Plant. Do quarto da clínica, bastante inspirada, comecei a esboçar um projeto de identidade visual e plano de negócios para a marca.

—Manuela Borges

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Arte da home: Camilla Belarmino @camibelarmino