Quem utiliza o Instagram provavelmente já usou ou viu alguém usar filtros para fazer stories. Em meados de 2019, a plataforma apresentou essa novidade para seus usuários e foi um sucesso. Correções na pele, criação de memes e detalhes personalizados são algumas das possibilidades da ferramenta. Influenciadores e marcas correram para produzir seus próprios filtros e rapidamente a tendência se espalhou. Hoje em dia é até difícil vermos conteúdos sem nenhum tipo de intervenção, mas será que isso é totalmente saudável para nós?

A história que aconteceu com a criadora Laura Peruchi é um exemplo de que o tema tem suas armadilhas. Neste post ela compartilha a mensagem que recebeu de uma seguidora sugerindo que ela seria melhor aceita caso usasse filtros ou maquiagem na hora de gravar stories ou fazer fotos: “Laura, eu amo seu trabalho, você tem sempre tanto, tanto a falar e acrescentar. Só queria fazer uma crítica que tenho certeza que ajudaria mais ainda no engajamento e tudo o mais. [...] Acho que se você fizesse os stories mais produzida, um pouco mais maquiada ou até com esses milhões de filtros de maquiagem seria muito legal! Todo mundo ama ver as pessoas arrumadas, maquiadas mesmo, nem que seja filtro. Fica mais legal para assistir os vídeos todos [...] não me leve a mal é só porque eu gosto demais de você”, escreveu a seguidora.

@LAURA_PERUCHI

Em conversa comigo, Laura contou que num primeiro momento pensou: “É sério que alguém falou isso? Cheguei a compartilhar com minha irmã, mas estava indo dormir e deixei para lá. No outro dia quando acordei é que fui processar melhor e confesso que fiquei magoada. Em nenhum momento eu duvidei de mim mesma ou pensei que devia me preocupar mais com make, mas fiquei chateada com a petulância e ousadia da pessoa que nem me conhece e veio falar isso. Minhas amigas me incentivaram a falar sobre o assunto nos stories e assim o fiz”.

Laura também contou o que achou das reações ao post e como isso impactou poderosa e positivamente nela: “Eu imaginei que o tema geraria repercussão. Mas nunca, jamais, pensei que seria do tamanho que foi. As mensagens começaram a chegar sem parar e, além de muito carinho, também recebi muitos desabafos. A maior surpresa para mim foi ver pessoas dizendo que amavam o fato de eu aparecer de cara lavada, se sentiam conectadas a mim. Acho que cada vez mais precisamos falar sobre distorção da imagem e percebi como tocar nesse assunto foi libertador para muitas. Sempre que puder, vou levantar essa discussão. Dizem que quando alguém fala algo negativo sobre você, ela está, na verdade, projetando algo que é dela. Foi exatamente o que aconteceu, visto que a pessoa voltou para pedir desculpas e admitiu suas próprias inseguranças."

@LAURA_PERUCHI

Ao longo dos últimos meses, eu mesma, Ana, fui usuária assídua dos filtros, até porque é muito prático poder acordar e se quiser botar a cara nas redes ter direito a cílios aumentados, pele corada e sem nenhum tipo de marquinhas ou olheiras. Só quando comecei a ver os primeiros questionamentos a respeito do tema é que comecei a pensar se isso era de fato saudável para mim e para a relação entre eu e minha imagem natural. Até porque, qual é o problema de aparecer de cara lavada e expor marquinhas e olheiras?

Este post da Revista Elle traz dados impressionantes sobre como a busca por cirurgias plásticas estéticas aumentou, sobretudo a rinoplastia motivada pelo desejo de sair melhor em selfies. Essa é uma das consequências – muito perigosa, por sinal – do uso da ferramenta. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, nos últimos dez anos o número da busca por procedimentos aumentou em 141% no país. A meu ver, continuamos a recriar formas de padronizar a beleza feminina, o que se torna mais um problema junto com discriminação corporal e racial. Nos filtros, a possibilidade de transformar os traços característicos e tom da pele da pessoa pode gerar problemas. Pessoas negras sentem a necessidade de criar filtros específicos para não terminarem com a cor desbotada e contornos da boca e nariz afinados.

"Acho que cada vez mais precisamos falar sobre distorção da imagem, e percebi como tocar nesse assunto foi libertador para muitas. Sempre que puder vou levantar essa discussão. Dizem que quando alguém fala algo negativo sobre você, ela está, na verdade, projetando algo que é dela."

A psicóloga Livia Marques deu o seu parecer sobre a questão: “Os filtros podem ser divertidos, mas é importante que estejamos atentos para quando seu uso busca uma satisfação estética distorcida da realidade. Fora das telas, não atingir esse padrão de perfeição pode gerar sentimentos de inferioridade, angústia, melancolia, ansiedade, raiva e tristeza, por exemplo. Quando identificamos esses sinais e a constância deles, podemos cuidar com carinho e profissionalismo, se preciso. A perfeição não existe, é um padrão cruel. Ao falar de padrões, vemos ainda nos filtros a predominância de um perfil que não abarca a maior parte da população brasileira que é negra. Essa população acaba precisando se adequar e ter como exemplo tais padrões eurocentrados, fazendo com que sentimentos de não pertencimento e baixa autoestima sejam alimentados em alguns casos. Ao pensarmos em redes sociais, precisamos pensar em que conteúdo é esse que estamos consumindo e o que estamos gerando”.

Laura contou que a história serviu para lembrar que não podemos nos abalar tanto quando recebemos críticas. Agora, ela se sente muito mais motivada a aparecer de cara lavada em suas redes sociais. A publicação também teve mais de 200 comentários de mulheres contando suas trajetórias de aceitação da imagem, liberdade e as dificuldades nesse processo. O assunto em questão vai muito além dos filtros, é sobre autoaceitação diante de padrões irreais. E sobre isso, mais uma vez Laura foi precisa: “Eu espero que mais mulheres no mundo entendam que a sua inteligência, seu conhecimento e seu caráter também fazem parte de quem você é. Eu espero que nós possamos ser menos duras com nós mesmas e com as outras. Que a gente possa parar de julgar o corpo da outra, a assertividade da outra, a maternidade da outra, a escolha da outra”.

—Ana Daflon @ana.daflon