Esta é a primeira parte da série Minha Jornada de Saúde, em que conto sobre o processo de diagnóstico de uma doença autoimune, passando pela descoberta da Ayurveda até os dias de hoje. Para ler a segunda parte da série, clique aqui. Para ler a terceira, aqui.

As grandes novas ideias e mudanças de vida não costumam surgir quando está tudo bem, com planos indo de vento em popa e acontecimentos conforme o roteiro. Pelo contrário. Insights e viradas de chave muitas vezes vêm e acontecem em momentos críticos: após a morte de um ente querido, a perda de um emprego, o aparecimento de um problema de saúde. Coisas que viram nosso mundo de cabeça pra baixo e nos obrigam a repensar as estruturas. No meu caso, esse abalo do status quo pessoal aconteceu no fim de 2015, quando passei por uma séria crise de esgotamento agravada por uma doença pré-existente. Foram meses de sofrimento e falta de esperança, até que enfim descobri novos caminhos que me possibilitam retomar minha saúde e seguir em frente com uma vida feliz. Essa jornada, de lá até os tempos atuais, eu conto pra você nessa história.

Por muito tempo fui a típica workaholic. Sempre me considerei uma profissional ambiciosa que faria de tudo pra alcançar seus objetivos. Dos primeiros bicos como produtora de moda aos vinte e poucos anos até ser contratada como analista de marketing por uma grande empresa de cosméticos, o trabalho sempre veio em primeiro lugar. Virei muitas noites à base de coca-cola no escritório da L'Oréal, comendo a mesma comida congelada quando chegava em casa todas as madrugadas. De dia, eram pelo menos seis xícaras grandes de café para aguentar o tranco, além de ansiolíticos que me ajudavam a lidar melhor com a pressão de um ambiente altamente competitivo. Eu estava firme no meu plano de me tornar executiva e achava que nada iria me parar, mas não foi bem assim que aconteceu.

INÍCIO DE 2015, TRABALHANDO EM UMA CONVENÇÃO COMERCIAL DA FIRMA

Em 2012 eu havia sido diagnosticada com Retocolite Ulcerativa. Trata-se deuma condição autoimune, isto é, quando o sistema imunológico do corpo ataca o próprio organismo. Nosso sistema imunológico existe originalmente para combater ameaças externas, como vírus e bactérias. Ao identificar esses agentes, produz anticorpos com o objetivo de livrar o corpo dos ofensores. Em alguns casos, no entanto, ocorre a reversão dessa lógica, e células que deviam ser protegidas acabam agredidas, gerando inflamação nos órgãos e deterioração de diversas funções corporais. Na Retocolite Ulcerativa, o alvo maior é o intestino e o sistema digestivo. Os sintomas mais comuns são a fadiga debilitante, as lesões no cólon, que ocasionam sangramento e dor intensa, distensão abdominal, dificuldade de digestão, entre outras complicações.

Como outras doenças autoimunes, a Retocolite não tem cura, mas pode estar em período ativo, isto é, se manifestando ativamente ou em remissão, quando não há sintomas. Após meu diagnóstico e prescrição de medicação, fiquei quatro anos em remissão, o que acabou fazendo com que eu não desse bola para a doença. Mesmo com meus péssimos hábitos alimentares e vivendo uma rotina estressante de multinacional, não sentia que precisava ajustar nada na forma que levava a vida. Mas tudo mudou em novembro de 2015. Os últimos meses no trabalho haviam sido especialmente exaustivos, e eu estava frustrada com a sobrecarga. Foi quando os sintomas da Retocolite, que até então estava adormecida, reapareceram.

DISTENSÃO ABDOMINAL, UM DOS SINTOMAS DA RETOCOLITE

Começou com uma sensação de cansaço extremo e foi piorando. Era difícil levantar da cama de manhã, ou mesmo dormir uma noite inteira sem acordar com pesadelos. O cérebro praticamente parou de funcionar, e eu não conseguia mais me expressar ou organizar ideias na mente. Olhava para os objetos em cima da mesma, como caderno e borracha, e não conseguir recordar como se chamavam. Também tinha brancos sobre os nomes das pessoas. Era brain fog na potência máxima, causado por um organismo adoecido. Depois, veio a intensificação da inflamação no intestino, que gera lesões e sangramento interno severo. Sentia dores muito fortes e minhas funções corporais ficaram bastante comprometidas. Eu vivia em tempo real uma crise de burnout agravada por uma condição pré-existe, mas ainda não havia me dado conta.

No auge da crise, ainda resolvi trocar de médico. Só que em vez de ajudar, a nova pessoa piorou minha situação. Se você já sofreu algum tipo de negligência médica, sabe como é confiar em um profissional e ter sua condição agravada por ele. Como eu era uma paciente nova, a doutora queria confirmar o diagnóstico e insistiu que eu aguentasse os sintomas por mais algumas semanas para realizar exames específicos. Precisei pedir algumas semanas off no trabalho, fiquei de cama praticamente o período todo, fiz os tais exames, e o diagnóstico foi confirmado. Finalmente, a doutora aceitou me medicar. Só que nesse ponto, meu quadro havia piorado muito, e as consequências foram sérias. Fiquei bastante frustrada com a conduta dessa médica, e depois descobri que, apesar de renomada, outros pacientes já haviam passado por situações similares e sofrido bastante com ela.

O fármaco prescrito para conter o estrago era a prednisona, um corticoide comum e bastante eficiente para quadros de inflamação, mas que em altas doses tem efeitos colaterais devastadores. Dois meses depois do início da crise, em dezembro, a doença estava num estágio tão avançado, que precisei de cara tomar a dose mais alta. Eu que sempre fui magrinha, engordei quinze quilos em três semanas por ação da droga. Não me identificava mais como eu mesma no espelho, não só pela gordura extra, mas porque a substância cortisona causa inchaço e deformações no corpo e no rosto. Entrei em depressão e passei o ano-novo de 2015 para 2016 chorando muito. Em janeiro, percebi que não haveria como continuar no emprego e formalizei minha demissão. Entreguei meu apartamento e me mudei de volta para a casa dos meus pais para tentar focar no tratamento com a prednisona e na minha recuperação. Eu precisaria tomar o remédio e lidar com os efeitos adversos dele por mais dois meses antes de iniciar o processo de "desmame".

REVÉILLON DE 2016, ROSTO INCHADO PELA PREDNIZONA

Eu não sabia, mas o processo de redução da dose de corticoides até parar de tomar a medicação totalmente é um processo penoso e que precisa ser feito aos poucos. Existe o risco de o corpo se viciar na droga e os sintomas voltarem. Pesadelo dos pesadelos. E foi o que aconteceu comigo, infelizmente. Por mais que eu seguisse todas recomendações, meu corpo não aceitava ficar sem o remédio. O sofrimento era cada dia maior e eu me sentia péssima. Me desanimei. Queria sumir, morrer mesmo. É tão louco quando lembro que já cogitei desistir da vida por isso, mas olhando para trás, vejo que a atuação da substância no meu cérebro contribuiu para que eu tivesse esses pensamentos.

Comecei a ver luz no fim do túnel quando minha mãe me lembrou da história da Laura Pires, jovem portadora de esclerose múltipla que encontrou saída na Ayurveda, medicina tradicional indiana. Eu havia lido o primeiro livro da Laura, que na verdade foi escrito pelo marido dela, Em Busca da Cura, anos antes. Na época achei legal, mas não dei muita bola. Dessa vez, peguei para reler e foi um baque. Me identifiquei demais. Na mesma semana, um tio querido que havia sofrido um AVC me contou que estava de malas prontas para a Índia para começar um tratamento alternativo em uma clínica ayurvédica, assim como Laura havia feito e contado em detalhes no livro. Aquilo me deu um estalo. Por que não tentar também? Eu estava no fundo do poço, não tinha nada a perder. Assim, com a ajuda da família, reservei meu quarto no SDJ Ayurvedalaya pela internet, comprei a passagem e lá fui eu para a Índia em abril de 2016.

—Manuela Borges

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Arte da home: Camilla Belarmino @camibelarmino