Desde que o Instagram foi criado, o termo “influenciar” vem ganhando força. A todo tempo, essa atividade, que já virou uma profissão para muitos, vem se modificando e o sentido da palavra sendo discutido. O que é ser um influenciador digital nos tempos atuais? Quais os direitos e deveres de quem atua nessa área? Qual conteúdo é adequado para o momento? Existe hoje uma responsabilidade grande ao postar qualquer coisa. O público vem cada vez mais desenvolvendo senso crítico e não deixa barato quando alguma personalidade erra no tom ou se comunica de forma insensível.

A pandemia tornou ainda mais desafiadora a atividade de influencer. Em meio a toda ansiedade e incerteza que vivemos, o conteúdo que consumimos tem um impacto ainda mais forte. A responsabilidade de quem está ali mostrando sua vida, sua casa e sua rotina passa a ser ainda maior. Além disso, muitas pessoas "comuns" perderam o medo de aparecer diante das câmeras e acabaram elas mesmas se tornando, de certa forma, influenciadoras pra quem as segue. Pra mim, que trabalho influenciando meu público com imagens e textos e também consumo muita informação digital, a questão principal é: qual o teor dos conteúdos sendo criados e qual valor eles têm para quem está assistindo?

ANNA PAULA CHAGAS

Desde o início da quarentena, celebridades vêm decepcionando fãs e seguidores com suas postagens irreais em meio à pandemia. Em março, Jennifer Lopez publicou uma série de stories ostentando o isolamento "sofrido" à beira da piscina de sua mansão, aparentemente sem se atentar para a gravidade do que acontecia em volta. Comportamentos como esse desencadearam uma onda de duras críticas nos Estados Unidos, levantando a pergunta de se a cultura do culto às celebridades estaria finalmente chegando ao fim. A matéria Celebrity Culture Is Burning publicada no NY Times pela colunista Amanda Hess em 30 de março desse ano foi uma das primeiras a trazer luz sobre a reflexão.

Ao longo dos meses, a situação se repetiu. Enquanto Madonna postava vídeo numa banheira luxuosa e Katy Perry se perdia nas datas em sua enorme casa, tinha (e ainda tem) gente precisando sair para trabalhar para sobreviver. Enquanto algumas celebridades continuam brincando com a situação, ainda tem muitos perdendo a vida para o vírus. No Brasil, a influenciadora fitness Gabriela Pugliesi não só reuniu amigos para uma festa em sua casa em plena pandemia, como disse em uma de suas publicações que “não ligava para a vida”. Tudo filmado sem pudor e publicado para quem quisesse ver. A exposição custou caro para a loira, que perdeu patrocínios e se retirou por um bom tempo do Instagram em meio a um mar de críticas sobre sua infeliz conduta.

A colunista Nina Lemos da UOL publicou matéria excelente a respeito das blogueiras de moda que ostentam uma vida de luxo em plena quarentena. Como diz no texto, parece uma viagem a um universo paralelo, um mundo incoerente e individualista. Um espaço virtual sem conexão com o real. O apresentador e youtuber Caio Braz fez um IGTV sobre o futuro dos influenciadores e deixou claro que ninguém quer mais saber da “vida perfeita”, pois a vida de ninguém chega perto da perfeição atualmente. O COVID-19 veio como um balde de água fria para todos. Fomos pegos de surpresa e houve perdas em todas as escalas. Nesse cenário, o conteúdo "aspiracional" não necessariamente funciona. O que antes servia como referência de possibilidade de futuro para muitos, perde o sentido quando todos estão presos em casa e sem muita perspectiva.

"O COVID-19 veio como um balde de água fria para todos. Fomos pegos de surpresa e houve perdas em todas as escalas. Nesse cenário, o conteúdo "aspiracional" não necessariamente funciona. O que antes servia como referência de possibilidade de futuro para muitos, perde o sentido quando todos estão presos em casa e sem muita perspectiva."

A própria questão da transparência e veracidade também está sendo colocada à prova nas redes. Pois mesmo os famosos "conscientes" que pedem aos seguidores para ficarem em casa e usarem máscara, no fundo não seguem as recomendações. Ou seguem por um tempo apenas, aparecendo dias depois em passeios ao redor do mundo, como se o problema já tivesse passado. Recentemente a cantora Anitta gerou mal-estar em muitos dos seus 48 milhões de seguidores, que se sentiram frustrados por ainda estarem trancafiados ou terem seus sonhos de mobilidade social impossibilitados, enquanto ela exibia sua viagem de barco pelo verão europeu.

Qual seria então o limite? Quando será OK voltar a publicar viagens? E mais: até que ponto a responsabilidade é só do criador? Afinal, se seguimos uma pessoa, deveríamos estar dispostos a aceitar tudo o que ela posta sem reclamar? Muitas perguntas ainda permanecem sem reposta, mas, aos poucos, começo a ensaiar uma vida digital mais saudável para mim e pra quem me segue. Na minha visão, a chave está em criar e consumir conteúdo verdadeiro e construtivo. Gerar identificação e inspirar sem causar sentimento de comparação ou insuficiência. Não é sobre exibir posses e mostrar imagens perfeitas. Também não é sobre “trazer verdades” e ter sempre uma resposta na ponta da língua para o assunto polêmico da vez. É sobre ser verdadeiro e sensível com o público que escolheu te seguir.

Penso que o principal papel de alguém que se define como influenciador deveria ser mostrar o que ele tem de único e como ele pode ajudar o outro. Ter uma utilidade prática. O Instagram deveria ser uma plataforma onde podemos entrar e sair com uma ideia, um aprendizado, um sentimento bom. Seja um meme engraçado, uma proposta de decoração para o quarto, uma dica de receita de torta, o esclarecimento sobre uma dúvida política ou uma nova forma de enxergar a vida. Estamos na era da influência positiva. A era da realidade e de uma reflexão mais profunda sobre a palavra empatia. Não cabe mais ostentar ou fingir que o contexto não te atinge. Pode não ser feio esteticamente, mas socialmente é frio.

"Penso que o principal papel de alguém que se define como influenciador deveria ser mostrar o que ele tem de único e como ele pode ajudar o outro. Ter uma utilidade prática. O Instagram deveria ser uma plataforma onde podemos entrar e sair com uma ideia, um aprendizado, um sentimento bom."

Por outro lado, penso que a responsabilidade por um ecossistema digital mais saudável está também nas mãos do público. Em última instância, quem define relevância é a audiência. Cabe a cada um de nós fazer o exercício de entender nossas verdades e apenas seguir perfis alinhados com nossos interesses. Em meio a tanta poluição de informação, a limpeza periódica do feed é importante para o nosso próprio bem-estar. Mesmo que seja um amigo ou alguém da família. O conteúdo da pessoa está fazendo você se sentir mal? Unfollow (ou mute) sem culpa. Claro que é importante não nos fecharmos na nossa "bolha" e estarmos abertos a novas opiniões e ao diálogo, mas respeitando nossas crenças e limites. As redes sociais também são muito úteis como plataforma de debate e descoberta de novas interpretações e perspectivas, contanto que seja mantido o respeito.

O mundo muda muito rápido e com ele, as tendências de comportamento. O futuro é incerto, mas espero que possamos caminhar para um ambiente digital em que o ato de influenciar seja visto como uma oportunidade de fazer o bem, reconhecer, inspirar, acolher, pertencer e ajudar a sociedade a evoluir.

— Anna Paula Chagas @annap_chagas