No fim de março desse ano me senti sortuda. Eu e meu marido estávamos em processo de mudança de casa e ficamos felizes por conseguir resolver tudo a tempo de o governo decretar o início da quarentena. Fechamos o contrato de aluguel, levamos nossas caixas, fizemos os reparos mais essenciais e finalizamos a pintura nas paredes exatamente um dia antes de tudo paralisar, em 20 de março. Usamos esse mesmo dia para comprar alguns últimos itens que eu sabia que fariam diferença nas semanas seguintes (toalhas novas, panos de prato e materiais de limpeza) e dali pra frente iniciamos o período de isolamento. Passamos a viver um dia de cada vez, sem muita certeza de nada, mas gratos porque estávamos bem instalados e poderíamos ficar sem sair até quando fosse preciso. Mal sabia eu que, poucas semanas à frente, teríamos que abandonar nossa morada e passar por toda a saga de mudança novamente em plena pandemia.

MANUELA BORGES

Ninguém espera ter que se mudar de emergência em um momento como esse, mas certas experiências são inevitáveis. Olhando para trás, vejo que a saída forçada acabou sendo algo positivo, mas o desenrolar do processo foi bastante estressante. Acho que a "relação" com o apartamento começou a se deteriorar quando, logo no segundo mês, começamos a perceber problemas no condomínio. O prédio era recém construído e ao que parecia, a administração não estava fazendo um bom trabalho. Havia falhas graves na higiene das áreas comuns e nenhuma orientação para funcionários ou moradores sobre como evitar riscos de contaminação com covid-19. Nossas tentativas de dialogar com o síndico, que nos pareceu bastante incompetente, foram em vão. Até fizemos um movimento de mobilizar os moradores para cobrar uma melhor gestão do lugar, mas não tivemos sucesso. Como locatários, não tínhamos muita voz. Para piorar, descobrimos que as contas do condomínio estavam no negativo e que cotas extras seriam cobradas para sanar o déficit, o que iniciou uma discussão desagradável com o proprietário do imóvel sobre quem era responsável por essa despesa. Nossa relação com ele começava a se azedar.

Ao longo das semanas fomos percebendo alguns defeitos no projeto e construção do imóvel: uma janela emperrada que não fechava, uma parede que esquentava demais quando o sol batia, a grade de alumínio da varanda que gerava um ruído absurdo quando chovia. Além disso, outros inconvenientes surgiram: infestação de moscas nos banheiros que não conseguíamos exterminar por nada e enxames de abelhas que rondavam o prédio e acabam entrando no apartamento durante a noite. Já estávamos um tanto incomodados com tudo isso, quando outra complicação surgiu. Em meados de junho percebi uma grande mancha molhada na parede do corredor entre o banheiro social e a cozinha. Vazamento! Havíamos escolhido alugar um apartamento em um prédio recém construído justamente pra evitar lidar com aborrecimentos típicos de imóveis mais antigos, mas unidades novas também têm seus transtornos.

"Em meados de junho percebi uma grande mancha molhada na parede do corredor entre o banheiro social e a cozinha. Vazamento! Havíamos escolhido alugar um apartamento em um prédio recém construído justamente pra evitar lidar com aborrecimentos típicos de imóveis mais antigos, mas unidades novas também têm seus transtornos."

Como o imóvel estava na garantia, a construtora se dispôs a sanar o caso. Combinamos com o proprietário e chamamos os profissionais. Eu nunca havia passado por isso, mas de fato infiltração é um dos piores problemas que pode acontecer em uma residência porque às vezes é difícil descobrir de onde vem. Existe a chance de ser um cano rachado, furado ou mal vedado, e muitas vezes a única forma de determinar a origem e realizar o conserto é quebrando a parede toda para investigar. Na primeira visita dos obreiros, fiquei muito tensa pois fazia semanas que não entrava ninguém em casa. A princípio eles tentaram resolver a situação sem precisar quebrar nada. Abriram o sifão da pia do banheiro, refizeram a vedação, rasparam a parede e pintaram de novo. Mas depois de alguns dias a parede voltou a escurecer. Bomba: a questão não havia sido resolvida.

Infiltrações têm um agravante que é o fato de poderem piorar caso não seja tomada uma atitude rápida, então seria preciso autorizar uma intervenção mais séria e receber novamente os profissionais durante dez dias ou mais, dependendo do que eles descobrissem na investigação. O banheiro de onde parecia vir o vazamento ficava bem no meio da casa entre o hall de entrada, corredor, cozinha e um segundo banheiro, então quebrar as paredes daquela área comprometeria o uso de todos esses cômodos. A ideia de ter pessoas trabalhando perto durante vários dias em um momento crítico da crise do coronavírus também me incomodava demais, pois estaríamos todos ali em risco. Por fim, a imprevisibilidade do término da obra tornava tudo pior, e mesmo que conseguíssemos algum desconto no aluguel, chegamos à conclusão de que não valia à pena. Nesse momento resolvemos encarar a situação como um sinal de que o melhor mesmo era sair dali de vez.

Quem tem o perfil caseiro como eu sabe: nossa relação com nosso espaço é sagrada. Ainda mais no momento atual, nosso lar é nossa concha, onde passamos quase 100% do tempo e é praticamente o único lugar onde nos sentimos seguros e acolhidos. Ter essa estabilidade perturbada foi um baque para nós. Foram dias de bastante estresse e sentimento de frustração. Ainda havia a questão financeira, pois se mudar duas vezes em menos de três meses não sai barato. Além do custo da mudança em si e do investimento nas benfeitotias que fizemos logo antes de mudar, precisávamos lidar com a multa rescisória de quebra de contrato de aluguel. O proprietário, claro, não queria cancelar de comum acordo. Em certo momento tivemos que parar tudo para procurar ajuda legal. Acabamos conseguindo o auxílio de um advogado amigo que se dispôs a cuidar do caso por um valor simbólico. Nossa salvação. Foram alguns dias de negociação, ele explicando a gravidade da situação para a outra parte e buscando um acordo. O locador acabou aceitando que pagássemos metade do valor da multa, contanto que saíssemos dentro de um prazo determinado. Agora, o relógio estava correndo.

"Quem tem o perfil caseiro como eu sabe: nossa relação com nosso espaço é sagrada. Ainda mais no momento atual, nosso lar é nossa concha, onde passamos quase 100% do tempo e é praticamente o único lugar onde nos sentimos seguros e acolhidos. Ter essa estabilidade perturbada foi um baque para nós."

Eu tinha o prazo de 48h para achar um novo espaço, e se não encontrasse, iríamos precisar colocar nossos móveis em um depósito e nos hospedar na casa de parentes, o que geraria uma série de outros custos e desconfortos. Por algum milagre, de fato achei um apartamento de que gostamos super rápido, no mesmo bairro e que cabia no orçamento. Mas não pense que foi fácil alugá-lo. O imóvel estava sendo anunciado pelo Quinto Andar, o que a princípio dos deixou animados. O app se vende como uma alternativa melhor aos métodos tradicionais de locação, já que em teoria te permite alugar sem fiador, de forma totalmente online e descomplicada. Era tudo o que a gente precisava, pois queríamos resolver a situação rápido, e além disso nossa fiadora de sempre havia acabado de vender o imóvel afiançado e não poderia mais fazer esse papel.

O problema foi que, aparentemente, o aplicativo precisa driblar a despensa do fiador garantindo a idoneidade dos locatários através de uma análise de crédito ainda mais rigorosa do que uma imobiliária tradicional faria. Tão rigorosa que não aceitou nenhum de nós dois como locatário, mesmo que tivéssemos apresentado todas as comprovações. Ainda tentamos submeter os CPFs dos nossos familiares para ver se passavam, e nada. O tempo estava correndo e precisávamos liberar o imóvel dentro do prazo acordado. O mesmo apartamento de que tanto gostamos estava para alugar também pelo ZAP Imóveis, então decidimos fazer uma proposta e tentar buscar outro fiador para não perdê-lo. Depois de muita insistência com outro familiar, conseguimos que ele aceitasse ser nosso novo fiador. Enviamos a nova proposta junto toda a papelada para a corretora, e qual não foi nossa surpresa quando, dessa vez, fomos aceitos. Finalmente!

Agora era fazer a mudança em si, o que foi um processo até menos estressante do que tudo o que havíamos passado até então. Com muito foco e muque, empacotamos todos os nossos pertences em dois dias, e no terceiro veio o caminhão. Os funcionários da empresa de mudança higienizaram as mãos com frequência e usaram máscaras o tempo todo. Claro que fiquei aflita vendo a dificuldade deles em respirar usando o acessório enquanto realizavam uma tarefa já árdua normalmente. Também morri de medo de alguém se infectar no processo, mas felizmente isso não aconteceu. Instalados no novo apartamento, faltava só entregar o apartamento antigo para poder nos livrar ter algum alívio. Essa etapa também foi desgastante, pois mesmo que o imóvel estivesse em perfeito estado dado o pouco tempo que passamos lá, o proprietário insistiu em arrumar confusão, reclamando de detalhes absurdos, como um risquinho de 2cm no teto. Era só o que faltava, uma total falta de razoabilidade na reta final. Felizmente nosso amigo advogado nos ajudou com mais essa chatura, e tudo de resolveu.

Mesmo vivendo dias de bastante estresse, meu marido e eu procuramos encarar a situação como uma oportunidade de fortalecer nossa relação e aprender. Às vezes as coisas acontecem sem que tenhamos controle, e só nos resta tentar lidar com a situação da melhor forma possível. No fim, o apartamento em que estamos hoje é mais agradável do que o anterior. Estamos reorganizando a vida aos poucos. Mais uma vez, me sinto grata, pois mesmo que tenhamos sido obrigados a passar por esse "perrengue", nosso desafio não foi nada perto do que outras pessoas viveram nos últimos tempos. Muitos talvez tenham enfrentado uma situação similar sem uma reserva financeira para arcar com todos os custos envolvidos, não puderam contar com o apoio emocional de um parceiro em um momento de grande frustração ou não tiveram a chance de transformar uma experiência ruim em algo positivo. Sinto que mudar durante a pandemia foi mais um processo de vida que trouxe lições valiosas. A experiência evidenciou a importância do suporte mútuo quando se passa por um obstáculo junto de alguém, me relembrou que tudo é temporário e me mostrou a importância de praticar a gratidão sempre, mesmo em momentos de dificuldade.

—Manuela Borges