Eu sempre quis ser um cara tatuado. Não lembro o momento exato em que esse desejo despertou, mas sempre foi um fator estético que mexia comigo. Visualmente, sexualmente e pessoalmente também. Talvez esse desejo tenha sido movido pela ousadia da coisa. Na escola, fui uma criança exemplar. Bons elogios dos professores, notas satisfatórias (com exceção das disciplinas exatas - ninguém é perfeito), mas existia "um quê" interior que suplicava por essa ousadia. A ânsia de ser alguém diferente. Ou melhor… Diferente não. De ser eu mesmo.

Por razões óbvias, não podia ser tatuado, tampouco gay. Na época, as coisas eram mais difíceis, e só quem cresceu sendo uma criança LGBTQIA+ sabe a que me refiro. Bullying no colégio, discriminação de grupos, medo do julgamento, muita coisa. Mas ao mesmo tempo lembro vividamente o quanto me imaginava no mundo pós-colégio. E as tatuagens estavam nesse sonho. Os anos passaram, o ensino médio acabou e a faculdade veio. Nos meus 17 anos pedi à minha mãe uma tattoo de presente de aniversário. Fingi o preço de uma para no fim conseguir duas (crianças, não façam isso!). No final, consegui o que queria e não foi tão difícil assim, confesso. Vantagens de ter uma mãe publicitária de mente aberta.

JONAS NETTO

A primeira ida ao estúdio a gente não esquece. Escolhi um lugar bacaninha ali pelo Morumbi, aqui em São Paulo, e a ansiedade tomou conta. Fui com medo, mas fui, e saí daquele estúdio com a sensação de dever cumprido. Era a minha própria prova de coragem ao enfrentar o medo da agulha e a deliciosa dor de ter saído dali diferente do que era horas antes. Ah, e se você ficou com curiosidade, minhas primeiras tattoos foram as frases em latim: "Nosce te ipsum" e "Non ducor duco". "Conhece-te a ti mesmo" e "Não sou conduzido, conduzo".

Na época, ainda era do time que diz que tatuagem tem de ter sentido, significado e valor simbólico. Carregava no peito e no braço duas mensagens que significam muito pra mim até hoje. E a partir daquele momento, não sabia mais quando faria outras, afinal, toda tattoo, por menor que seja, requer um investimento. E então, veio o alistamento militar. Os meses de terror psicológico que vivi foram intensos. O Exército me olhava com olhos cobiçosos e por um triz senti que seria chamado para servir. Esse era um dos meus maiores medos, talvez o de muitos gays. Até medidas eu cheguei a tirar para modelagem de uniformes.

JONAS NETTO

Foi numa conversa de bar com amigos da faculdade que fazia na época que tive uma espécie de epifania. Quando um deles disse que o serviço militar não costumava chamar tatuados, principalmente se tivessem desenhos no braço direito - o braço do juramento da bandeira - numa altura visível. Foi como um estalo! Vi naquela meia dúzia de palavras uma brecha pra fugir de um de meus maiores pesadelos com algo que eu queria tanto desde sempre: me cobrir de desenhos. E assim o fiz. Não exatamente naquele momento, mas consegui convencer meus pais de fazer mais um trabalho no braço do juramento e eu consegui. A tatuagem e a dispensa militar. Se você sorriu ao ler essa conquista, obrigado por isso.

O que eu não imaginava a partir daquela terceira tattoo era que eu tomaria um gosto indescritível pela coisa. Diante da liberdade que me deram, passei a enxergá-las mais que apenas um meio de fugir do que temia, mas sim a exemplificação, de fora pra dentro, de quem eu era. Um afronte ao sistema e um ato de autonomia. Os desenhos guiaram meu destino para além do medo. Passei por uma jornada oscilante de autoconhecimento e relação com meu corpo, de quem sou, e a cada nova tatuagem esse sentimento se intensificava. Sair do estúdio todo embalado com papel filme e banhado em vaselina era (e continua sendo) empoderador.

JONAS NETTO

Às vezes, tudo que precisamos fazer para sentir alívio, é dizer o que sentimos. Alguns conseguem, outro nem tanto. Mas ninguém disse que essa linguagem não pode ser por outros meios de se comunicar e se conectar com as pessoas. Eu me permiti ser livre. Gravar em mim o que gosto, o que sou e o que me define, sem necessariamente ter simbolismos ou referências. Preferi acreditar que sou o que sou, e gravo em mim aquilo que me define, por menor e mais bobo que seja. As tatuagens me fizeram enxergar meu corpo com novos olhos. É claro que, assim como muites, ainda tenho meus dias de discussão com o espelho, com a comparação das redes sociais, mas autoestima é uma construção diária. E no meu processo, posso afirmar que as tatuagens serviram como bons tijolos para erguer essa fortaleza.

Para além do corpo, passei a enxergar meus "rabiscos" como uma história em que meu corpo era o livro. Meus sonhos, desejos, fantasias e conquistas, contados ao avesso. No lugar da vergonha, coloquei minha essência. Em vez de cobrir pele, passei a mostrar cada centímetro meu e me orgulhar do que via… De cada cantinho que conta um pouco mais sobre mim, pelos lugares que passei e o que vivi pra chegar até este exato momento. Quantos momentos ainda virão? Quantos eu ainda vou gravar e carregá-los (literalmente) comigo? Eu ainda não sei essa resposta. Hoje, carrego 25 e só o tempo pode dizer quantos ainda merecerão um espaço em branco a ser preenchido.

O que sei é que a cada novo trabalho registrado sobre mim, mais um passo dou rumo a uma jornada que não deixarei de trilhar: a do meu próprio valor. E enquanto eu caminhar por essa trilha de agulhas, tintas, ranger de dentes e risos com cerveja, mais vou me orgulhar da história que conto em minha pele.

—Jonas Netto @imjonasnetto