Desde pequena gostei muito de cremes, perfumes e produtos de beleza. Ida na farmácia (pra quem não é de Belo Horizonte temos a Araújo, uma rede de drogaria que vende de tudo, desde ração pra cachorro até picolé) pra mim, era momento de lazer. Engraçado porque minha mãe nunca foi muito disso, na verdade ninguém aqui em casa. Não sei identificar muito bem de onde veio minha paixão por skincare, mas sei que sempre fez parte da minha vida.

Mesmo tendo essa ligação com o mundo da beleza, nunca pensei em me dedicar profissionalmente. Queria ser arquiteta. Por estudar em um colégio italiano, a certeza era que iria cursar faculdade na Europa, mas o sonho da arquitetura, que eu sempre relacionei muito com a harmonia estética, foi ficando pra trás, ou pelo menos como uma admiração pessoal. Meio sem saber o porquê, mas feliz com a escolha, me inscrevi no curso de Ciências Gastronômicas na cidade de Parma, Itália, e me mudei de mala e cuia aos 19 anos pra um continente que nunca tinha ido até então.

@THEDEWYGLOW

Foram anos felizes, fiz amizades, viajei, tive momentos difíceis e me interessei cada vez mais pelo ramo que escolhi. Veio a oportunidade de fazer um intercâmbio universitário, sempre na área alimentar, com bolsa na Alemanha. Decidi ir acreditando na possibilidade de crescer pessoal e profissionalmente. Foi então em 2018, durante esse intercâmbio que cheguei ao que hoje consigo identificar como o ponto mais baixo da minha saúde mental. Nem a dedicação a skincare me entusiasmava mais, comprava um sabonete ou creme qualquer, sem pensar muito. Estava completamente desconectada do meu corpo, não que essa relação fosse lá grandes coisas. Já explico.

A minha relação com o meu corpo sempre foi muito turbulenta, fazia dietas desde criança, fui ensinada a ver a gordura como sinônimo de feiura, e magreza era igual a saúde. Meu peso nunca foi muito estável. Fui uma criança gordinha, uma pré-adolescente que emagreceu 9kg e uma adolescente que segundo os colegas, ia ficar linda se emagrecesse. Mas veja bem, tenho 1,77m e com 15 anos já era a maior da turma, quase que desproporcional. E vendo fotos daquela época só consigo enxergar uma menina linda, mas ao mesmo tempo lembro de me sentir inadequada. Eu aprendi a conhecer tão bem as “falhas” do meu corpo que não usava blusa de alcinha, tinha um truque pra esconder a gordurinha dos flancos e era aquela menina que você via na praia ou na piscina tomando banho e roupa. Durante o ensino médio fiz um intercâmbio para aprender inglês, engordei bastante, mas lembro de não me arrepender, pois fez parte da minha vivência. De volta ao Brasil, mais dieta e meu corpo se estabeleceu no que vamos considerar o seu peso normal, se é que isso existe.

É de se imaginar que meu maior medo de mudar para a Itália não era a língua, morar longe dos pais ou começar uma faculdade. Era de engordar. Lembro de me olhar no espelho todo santo dia, pra ver se tinha engordado ou emagrecido. E a ironia da vida me fez engordar na Alemanha (comida típica que por sinal odeio), devido a um processo depressivo. E essa minha relação com o meu corpo se tornou insustentável.

De volta a Itália, já na reta final do meu bacharelado, e tendo percebido o descaso que tive com meu corpo na minha temporada alemã, me perguntei: Por que não estou investindo em produtos de beleza com as características que me interessam e de marcas com propostas que acredito? Logo eu, que sempre tive esse carinho pela rotina de beleza. Como estudante de Ciências Gastronômicas, me via cada vez mais atenta aos ingredientes alimentares e suas propriedades. Então porque não avaliar também a composição dos meus amados produtos de skincare, produtos esses que vão entrar em contato com a minha pele e meu cabelo diariamente?

Assim começou a minha jornada na busca por marcas atentas aos detalhes: Não testado em animais, possivelmente vegano, sem microplásticos, embalagem reciclável, matérias primas extraídas de forma justa, ingredientes seguros... A lista é grande e estou sempre em busca de novas informações. E nesse processo encontrei a Lush, marca que nasceu no Reino Unido e tem uma proposta muito bacana. Até pouco tempo eles tinham lojas no Brasil, mas ainda é possível comprar online através do site deles, que faz entrega internacional, fica a dica. Minhas amigas até brincam, me chamando de garota Lush, porque eu indico a marca pra todo mundo.

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Comecei a sentir prazer novamente com esse momento de autocuidado. Através de sabonetes, shampoos, esfoliantes e cremes fui reconectando com o meu corpo. E percebi que uma parte desse movimento foi de fora pra dentro mesmo, de encontrar nos pequenos rituais uma forma de me ouvir e me entender. Nosso corpo sabe exatamente o que ele quer, quando está com fome, quando precisa descansar, quando estamos alegres e como nos proteger. Como pude passar tanto tempo odiando esse corpo, não o vendo como parte de mim, imprescindível para a minha existência? Como pude aceitar que esse corpo fosse tratado com desprezo e descaso, acreditando inclusive que essa era a forma que eu deveria trata-lo? Meu corpo é sagrado, ele me permitiu ver coisas, sentir coisas, viver coisas. E por isso sou eternamente grata a ele. Então decidi ama-lo, porque depois de ver todas as coisas grandiosas que meu corpo fez e faz, não resta nada dentro de mim que não seja amor e respeito. Assim meu corpo e eu somos um só, já não existe separação entre nós, entre mim.

Mas calma, toda essa reflexão e revolução não aconteceu por causa de um creminho milagroso que resolveu todos os meus problemas existenciais. Foi de extrema importância ter começado o meu tratamento terapêutico quando ainda estava na Alemanha. Dessa forma, o meu reencontro e o respeito que desenvolvi pelo meu corpo, por mim, foi uma ação conjunta. Tive e ainda tenho a oportunidade de discutir e entender os meus processos emocionais com a minha psicóloga, mas encontrei na skincare uma forma concreta de exercer esse movimento de conexão corporal.

"Ótimo Laura!  Você conseguiu voltar a fazer seus rituais de beleza de uma forma muito mais profunda que jamais teria imaginado. A skincare agora praticamente faz parte do seu processo terapêutico. Mas como no meio disso tudo você decidiu criar um perfil no instagram?" Imagino que é isso que vocês estão se perguntando. Depois que formei em Ciências Gastronômicas, eu me interessei pelo mestrado, que atualmente curso, em Ciência do Consumo e Nutrição, oferecido pela Universidade do Porto, em Portugal. Me mudei com grandes expectativas e projetos, acho que deu pra perceber que sou meio andarilha né?

Já sabia que no Porto não tinha loja física da Lush, e caso você nunca tenha entrado numa loja deles, a experiência de ver cada produto, experimentar e poder levar amostras do que quiser sem compromisso, é 70% do processo de compra. Comecei então a me informar, buscar outras marcas que tivessem essa mesma pegada. Fui encontrando perfis gringos no instagram de influenciadores que além de serem extremamente agradáveis esteticamente, me apresentaram várias marcas que eu conseguiria comprar morando em Portugal. Esse foi outro momento importante na minha relação com a skincare. Já tinha um tempo que queria introduzir o uso do sérum na minha rotina, por exemplo. Depois descobri a esfoliação química que me levou ao uso diário de protetor solar. Um mundo de possibilidades se abriu diante dos meus olhos.

Nesse último ano minha rotina ficou mais elaborada. Eu me senti pronta pra essa nova fase, que aconteceu graças à mudança de país e a necessidade de adaptar. Comecei a postar fotos e vídeos dos produtos que usava nos “melhores amigos” do instagram, e minhas amigas mandavam fotos de produtos que compraram porque eu indiquei ou me pediam dicas do que elas poderiam usar. E cada vez mais me falavam da minha capacidade de comunicar, de tirar fotos bonitas e de como outras pessoas também poderiam se interessar pela minha experiência. Vi então que meu hobby tinha potencial para ajudar outros e trazer informação.

Juntei um pouquinho de tudo pra conseguir, ou pelo menos tentar criar uma página democrática, lembrando sempre que não sou especialista da área. Escrevo e falo muito em inglês, porque a skincare community, a comunidade, que cria conteúdo no estilo que eu me inspiro, é toda internacional. Mas não posso deixar de falar em português também, porque mais do que falar de produtos de marcas “X ou Y”, eu quero mostrar a importância da rotina de beleza e como esses rituais ajudaram no meu percurso pessoal. Inclusive a minha busca atual é poder dar espaço no meu perfil para marcas nacionais cruelty free e clean, que estão começando a aparecer nos últimos tempos. Outro ponto importantíssimo que mesmo não sendo o tema central dessa nossa conversa, acho sempre bom lembrar: Acessibilidade. Todos os meus posts têm descrição alternativa em inglês e em português, assim PcD (Pessoa com deficiência) pode consumir meu conteúdo tranquilamente (coisa que muitas marcas ainda não perceberam a importância, quem dirá influenciadores). E assim foi nascendo, ou melhor, está nascendo minha página. Percebi que um hobby pode virar processo terapêutico, que alavanca uma criação de conteúdo e que me possibilita conectar com pessoas. Ainda não sei onde isso vai parar, mas fico contente de ver de onde isso veio e como tem impactado a mim e a quem me acompanha.

—Laura Silveira @thedewyglow