A pandemia afetou nossas vidas de todas as formas possíveis e impossíveis, inclusive bagunçando uma questão crucial para quase todo mundo: moradia. Não foi pequeno o número de pessoas que, desde o início da quarentena, tiveram que se mudar de casa por algum motivo. Dentro desse processo, um movimento que aconteceu com muita gente foi precisar voltar para a casa dos pais. Adultos em variados estágios de vida que precisaram retornar para a casa da família e com isso enfrentar desafios dos mais diversos. Eu mesma passei por essa experiência e fiquei espantada quando descobri a quantidade de amigos e conhecidos que, assim como eu, experimentaram a jornada de esvaziar a geladeira, fazer mala para mais de mês, pegar a caixa transportadora do bicho de estimação, apagar as luzes e partir da própria casa ou apartamento, sem saber bem como tudo ia ficar a médio e longo prazo.

ANA DAFLON

Os motivos para retomar antigos convívios podem ser muitos. Segundo matéria do caderno Ela do Globo compartilhada aqui, estima-se que 1 a cada 5 jovens adultos tenha perdido o emprego na pandemia, impulsionando o retorno. Além disso, não é raro que a casa onde os pais residem e criaram a família seja maior e mais confortável do que onde mora um adulto sozinho ou com amigos, sendo assim, muita gente preferiu voltar para aproveitar vantagens como quintais e varandas. Ainda existe outro nível de evolução e convivência, que é quando ex parceiros com filhos voltam a morar juntos para ninguém ficar meses sem ver a criança, como nessa reportagem da CNN.

No meu caso, quis sair do Rio e aproveitar a casa dos meus pais no meio do mato e curtir a companhia deles, para não termos que ficar tanto tempo sem nos ver. De quatro meses de pandemia, metade eu passei no Sana, Distrito de Macaé, no interior do Estado, foi o máximo de tempo de convivência com meus pais desde que eu saí de casa em 2013. Aproveitei o quintal com grama, rede, árvores, sol e piscina, além de claro, a companhia deles. É uma experiência. Se por um lado eu não estava na minha rotina, horários e liberdades, por outro foi bom ver que nossa convivência foi harmônica e tentando chegar a concessões para atravessarmos esse momento juntos. Voltar para a casa dos pais na pandemia também pode ser muito sobre olhar para dentro. Foi para mim. Consegui reparar em padrões que eu repetia e queria evoluir, assim como foi importante entender meu espaço e individualidade na hora que quis voltar para a cidade.

Para enriquecer essa história, fiz uma pesquisa pelos meus stories no Instagram para entender como pessoas diferentes estão enfrentando o processo, e compartilho com você alguns dos relatos que chegaram:

Ester Esquenazi, 20 anos

ESTER ESQUENAZI

“Estou achando uma experiência muito inusitada ter voltado para a casa dos meus pais. Moro com minha irmã originalmente, e no início dessa temporada aqui eram evidentes os atritos e divergências. Na nossa casa temos nossas regras, nosso ritmo, que muitas vezes são opostos às coisas aqui. Morando com a minha irmã, se estou num dia ruim, entro no quarto e pronto. Aqui não. Tenho que conviver, fazer o almoço, sentar na mesa, dou umas patadas... É uma chance de me perceber de frente, perceber cada um dos familiares, que são muito diferentes entre si e encontrar a melhor forma possível de conviver.

Por outro lado, passamos a fazer coisas juntos que nem quando morávamos os quatro juntos fazíamos. Por exemplo, agora estamos vendo a série Coisa Mais Linda, todo dia os quatro sentam no sofá e vemos uns dois episódios. Tem sido muito legal explorar esses momentos. É uma experiência tão cheia de pequenos atritos, quanto potente! Conviver com mais pessoas é uma oportunidade de encarar muitas coisas nelas e em nós”.

Letícia Seady, 25 anos

LETICIA SEADY

“Eu estava morando sozinha em Búzios e minha faculdade é em Cabo Frio. Por causa da pandemia eu voltei para a casa dos meus pais, assim eu não ficava sozinha e também porque eles pediram. Ficaram preocupados deu estar longe no meio disso tudo. Fiquei cerca de um mês na casa deles, mas não deu, tanto para mim quanto para eles. A minha individualidade já foi construída, moro sozinha desde 2014. Mesmo meus pais me dando toda a liberdade do mundo, ainda assim as rotinas eram muito diferentes, eles acordam muito cedo e dormem muito cedo, diferente de mim.

Eu estava tendo aulas online, era difícil ter silêncio na casa, também parei a terapia porque não me sentia à vontade de fazê-la com gente em casa, medo de ouvirem. Já para os meus pais, incomodava eles estarem em outro estágio da vida do casal, convivendo entre eles dois, sentiam falta da intimidade. A solução veio quando resolvi ir para a casa do meu namorado, foi um movimento natural e meus pais não se importaram. Eles sabem que quando foram pra faculdade, também não teriam condições de voltar a morar com os pais depois”.

Mari Portilho, 31 anos

MARI PORTILHO

“Assim que começou o isolamento social, eu e meu companheiro passamos a trabalhar de casa e fazer atividades dentro do espaço de um apartamento quarto e sala, dividido com nossa cachorra. Eu também me dividia em idas e vindas à Ilha do Governador para passar compras pelo muro de mercado e farmácia para meus avós – casal de 91 anos que mora sozinho. Em um pedido de socorro por mais espaço, montamos as malas e seguimos, eu, Gui, cachorra e casal de velhinhos rumo a Rio das Ostras, para a casa dos meus pais.

Depois de quatro meses, a sensação não é de ter retornado a adolescência, porque nesse caso os papéis se invertem. Fico preocupada em cuidar da saúde deles, sinto a necessidade de pedir para não saírem, para evitar irem ao mercado ou para a rua se exercitar... Também tento pensar em atividades de distração para animar os dias e fazer com que a casa passe a ser um lugar mais atrativo. Em paralelo a isso, fico na expectativa deles compreenderem que não estamos de férias, que preciso do meu espaço de trabalho, de produção e pessoal. Os privilégios também são outros, nesses dias de confinamento, com direito a quintal e banhos de sol na grama, descobrimos novas leituras, de contar histórias, de conhecer as fofocas familiares. Tem sido uma escola de convivência, com sentimentos à flor da pele”.

Brenda Martins, 26 anos

BRENDA MARTINS

“Sou estudante da UFF em Niterói e moro lá, já meus pais moram em Itaboraí e estou passando a quarentena com eles desde o início de março. Já estava acostumada a ter meu canto e fazer minhas coisas sem depender deles no dia a dia, mas estamos conseguindo lidar bem com a situação. Estou levando esse momento como uma forma de estar mais próxima deles, já que voltando ao "normal", voltarei à rotina de estudos e terei pouco tempo.

Descobri um novo hobby na culinária e amo fazer doces agora. Acho que isso nos une mais. Minha mãe me ajuda, meu pai me manda várias receitas e minha irmã reclama que vai engordar por minha culpa. Também vemos filmes, dividimos tarefas, nos damos bem. Sinto dificuldade de me concentrar nas minhas tarefas, me organizar nessa nova rotina. Sinto falta de ter um ambiente para estudar sem interrupções e determinar um tempo certo para me dedicar a isso. Como as aulas presenciais devem voltar apenas ano que vem, estamos pensando em entregar o apartamento em Niterói”.

Por fim, nesses quase quatro meses de pandemia, já vi um pouco de tudo. Gente que teve a experiência de reencontro com a antiga casa, hábitos e convivências, e outra parcela que decidiu de vez que era o momento de sair do ninho. Quando os ruídos da convivência extrema apertam. Teve os que estimaram mais a própria casa, os que se reinventaram na solidão e os que viram que não sabem lidar com ela. Em comum é o fato de habitarem o mesmo tempo difícil, porque as jornadas são infinitamente particulares. Há tempo de sobra para olhar para dentro, principalmente agora que o mais seguro ainda é ficar em casa. Por isso reitero: nos cuidemos. Da saúde, do corpo e da mente.

—Ana Daflon @ana.daflon