Já faz um bom tempo que a causa animal me comove. Sempre tive bichos em casa e uma compaixão que latejava na hora de saborear minha antiga refeição preferida e muito comum nos fins de semana na minha família: churrasco. Até eu transformar empatia em ação no meu processo de vegetarianismo, levou um tempo. Costumo dizer que o começo de qualquer mudança é quando a gente se importa, então foi aí que começou para mim. Há uns anos atrás, me mudei para morar sozinha e meus pais me deram – depois de eu muito insistir – uma cachorra para me fazer companhia. Dentro das possibilidades limitadas de um a mini apê, veio a Chewbacca, uma Yorkshire de não mais que 3 quilos.

FOTO: ANA DAFLON

Desde o segundo dia dela em casa até hoje, quase quatro anos depois, passamos pelo processo exaustivo e extremamente caro de lidar com as limitações de saúde que a raça pode trazer. Má formação respiratória, ligamentos e organismo frágeis são alguns deles. Tanto naturalizamos a exploração animal e os tratamos como um comércio vivo, que só aí fui me ligar a procurar saber o que existe por trás disso, os cruzamentos excessivos, a modificação biológica e cadelas matrizes maltratadas.

A situação com a Chewie foi o pontapé inicial para que eu começasse dois processos: o primeiro de reeducar minha alimentação aos poucos, testar substitutos às carnes na refeição sem excluí-las do prato, uma experimentação mesmo. E também de ler e assistir documentários falando sobre a indústria animal. Sendo honesta, por um tempo achei que não seria possível abrir mão das refeições que até então eram minhas preferidas, mas é transformador ver nossa capacidade de adaptação e mudança.

Não é porque somos ensinados a vida inteira a agir de determinado modo, que quer dizer que aquilo seja o melhor. Questionemos, sempre. Comecei com os básicos e de fácil acesso vide Cowspiracy e A Carne é Fraca, além de textos que giram em torno desse comércio no Brasil como o da Agathe Cortes para o El País sobre alimentos que prejudicam o meio ambiente e também são os piores para a saúde. Desse aprendizado, fui vendo o quanto, além do maltrato animal, o consumo de carne sustenta um modo predatório de exploração do meio ambiente, agronegócio e alterações climáticas. Nesse meio tempo, lá estava eu aprendendo a fazer grão de bico e conhecendo temperos que davam mais vida aos legumes.

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Assim se desenharam os últimos meses, até que fui cortando de vez as carnes vermelhas, frios e embutidos e, de vez em nunca, ainda não resisto a um nugget ou um pedaço de peixe. Até que chegamos aqui, na pandemia mundial de coronavírus. Com ela e o distanciamento social, quem tem a possibilidade (e privilégio) de poder ficar em casa, passa por novos tipos de aproveitamento desse ambiente e do tempo que temos para ficar nele. Esse tempo extra pode ser uma ressignificação da forma como vivemos na rotina comum e nossa alimentação nela, já que atividades que demandam atenção como testar novas receitas, ler, assistir filmes, séries e documentários, agora podem ser melhor aproveitadas.

Uma matéria do Washington Post, o jornal de maior circulação em Washington, nos Estados Unidos, fala sobre como é preciso expor a relação entre pandemias e a forma como ocupamos o planeta. Ela diz que a apropriação do habitat natural contribui para que doenças assim se espalhem, uma vez que animais selvagens sempre foram hospedeiros virais, porém, com a intensificação da urbanização, desmatamento e redução do espaço dos bichos, nos aproximamos fisicamente deles, nos tornando mais suscetíveis ao contágio.

Mas nem tudo precisa ser pânico. Para mim, tomar consciência e repensar hábitos foi um bom caminho para o pontapé inicial numa vida mais sustentável para todas as espécies que dividem o mundo conosco. Inclusive na pandemia, essa relação construtiva com a alimentação e planeta tem me dado algum conforto, já que uma coisa está diretamente ligada à outra.

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Foi aí que comecei a usar os contatos que acumulava de serviços de entregas de cestas orgânicas e de produção familiar para encomenda, mas que a praticidade da passadinha no mercado da esquina, me faziam adiar o pedido. A crise da saúde acabou se mostrando o momento ideal para testar isso: eu queria produtos que soubesse a origem, tivessem passado por menos mãos até chegar ao meu prato e ainda tinha o “plus” do apoio ao pequeno produtor. Passaram a chegar as cestas com frutas, legumes, grãos e verduras em casa e senti que esse modo de consumo contribuiu para um ciclo de vida mais construtivo e colaborativo como um todo. É uma cadeia do bem. O olhar diferente para nossa relação com o alimento pode ser uma mudança potente para a melhora da nossa qualidade de vida.

Lembrando sempre que mudanças de atitudes são um processo e, sendo processo, para mim tem sido importante pensar nele com carinho e acolhimento, para que não se acumule a tantas cobranças que já faço a mim mesma no dia a dia.  Quando foquei em qual era o propósito de adotar hábitos mais sustentáveis e que me desligassem da carne, me ajudei – e sigo no processo – de manter práticas que renovam a mim e ao mundo.

—Ana Daflon @ana.daflon